1º DOMNGO DO ADVENTO

Marcos 13,33 – 37

Ficai de sobreaviso, vigiai; porque não sabeis quando será o tempo. Será como um homem que, partindo de uma viagem, deixa a sua casa e delega sua autoridade aos seus servos, indicando o trabalho de cada um, e manda ao porteiro que vigie. Vigiai, pois, visto que não sabeis quando o senhor da casa voltará, se à tarde, se à meia-noite, se ao cantar do galo, se pela manhã, para que vindo de repente, não vos encontre dormindo. O que vos digo, digo a todos: vigiai!

Comentário

Já é hora de acordar! Eis o apelo de Jesus no Evangelho que inaugura este tempo do Advento. Uma nova aurora surge no horizonte da humanidade, trazendo a esperança de um novo tempo de um mundo renovado pela força do Evangelho. Neste tempo de graça, somos convocados a sair do torpor de uma prática religiosa inócua, a acordar do sono dos nossos projetos pessoais vazios e egoístas. Despertos e vigilantes, somos convidados a abraçar o projeto de Deus que vem ao nosso encontro, na espera fecunda do Tempo do Advento, temos a chance de reanimarmos em nós e os compromissos assumidos em favor da construção do Reino, reavivando as forças adormecidas, para a construção de uma humanidade nova, livre das trevas do sofrimento, da marginalização e da morte.

Frei Sandro Roberto da Costa, OFM - Petrópolis/RJ

2º DOMINGO DO ADVENTO

Marcos 1,1 – 8

Conforme está escrito no Profeta Isaias: Eis que envio meu anjo diante de ti: Ele preparará teu caminho. Uma voz clama no deserto: Traçai o caminho do Senhor, aplainai suas veredas (Mt 3,1); Is 40,3). João Batista apareceu no deserto e pregava um batismo de conversão para a remissão dos pecados. E saiam para ir ter com ele toda a Judéia, toda Jerusalém, confessando os seus pecados. João andava vestido de pelo de carneiro e trazia um cinto de couro em volta dos rins, e alimentava-se de gafanhotos e mel Sivestre. Ele pôs-se a proclamar: “depois de mim vem outro mais poderoso do que eu, ante o qual não sou digno de me prostrar para desatar-lhe a correia do calçado. Eu vos batizei com água; ele, porém, vos batizará no Espírito Santo”.

Comentário

“Preparai o caminho do Senhor, aplainai as suas veredas”. Clamando pelo deserto, João Batista nos indica que procurar viver conforme a Boa-Nova que Jesus nos trouxe não se trata, simplesmente, de viver dentro de um sistema religioso com certas práticas que nos identificam com tais. Talvez ele queira nos indicar que a fé, antes de tudo é um percurso, uma caminhada, onde podemos encontrar momentos fáceis e difíceis, dúvidas e interrogações, avanços e retrocessos, entusiasmo e disposição, mas também cansaço e fadiga. No entanto, o mais importante é que nunca deixemos de caminhar, pois o caminho se faz caminhando. Boa caminhada de Advento e preparação!

Frei Diego Atalino de Melo

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

3. OZANAM, O APÓSTOLO DA CARIDADE






Ozanam

O Apóstolo da Caridade

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                Bem antes da fundação da Sociedade de São Vicente de Paulo, um dos aspectos mais atraentes de OZANAM é o sentimento inato para o exercício do apostolado da caridade.

                Apenas saído do Colégio Real de Lyon, já dizia de sua intenção de reunir alguns companheiros para o estudo da religião.

                Em 1831, ainda em Lyon escrevia a FORTOUL que o  Padre NOIROT lhe assegurara que “certamente, encontraria jovens estudiosos, aptos a auxilia-lo com sua cooperação e conselho” (8).

                Assim que ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Paris, fez-se amigo de outros jovens católicos, com os quais conviveu intimamente. As questões religiosas os uniam.

                Para OZANAM, particularmente, “Ciência e Catolicismo constituíam seu único consolo”, conforme confidenciava a FALCONNET em carta de 18 de dezembro de 1831 (9). E na mesma carta dizia: “Você não faz ideia do quanto que eu desejaria de estar rodeado de jovens que possuem os mesmos sentimentos e pensamentos que eu tenho. Sei muito bem que eles existem e, em grande quantidade, mas eles estão diluídos como ouro em uma montanha de terra. É uma tarefa muito difícil para quem deseja reuni-los em torno de um único objetivo”. (9).

                Os tempos mudaram, mas neste particular, não muito. Não é hoje idêntica a situação de nossa juventude, principalmente a universitária? Mas inúmeras Faculdades de ensino superior, espalhadas por todo este país, existem, sem dúvida, numerosos jovens estudiosos, interessados no estudo da religião, dispostos mesmos a se aliciarem sob uma bandeira. Mas faltam os OZANAMS para reuni-los, para entusiasmá-los, para convence-los a colocar-se sob o amparo da caridade! Como encontra-los? Primeiro é preciso formá-los e isto, pelo menos nos tempos atuais, somente será possível dentro das Conferências Vicentinas. Multipliquemo-las e transformemo-las em centros dinâmicos de estudo. É indispensável dar uma nova dimensão à vida das Conferências Vicentinas. A sua tônica não poderá ser mais a de meros centros de distribuição de socorros, mas estender-se muito além, para atender ao ideal intelectual de OZANAM, que abrangia todos os pobres, tanto indigentes, como não indigentes. Por que não dinamizarmos nossas Conferências Vicentinas, introduzindo nelas círculos vicentinos de estudo para tratar da religião, das vidas de SÃO VICENTE e de OZANAM, das modernas modalidades de promoção do socorrido, dos problemas de justiça social e como resolve-los, procurando nelas, diretrizes para nossas próprias vidas? Voltaríamos então aos tempos de OZANAM, i. é., as origens da Sociedade de São Vicente de Paulo.

                Este é um ponto importante para meditação dos nossos vicentinos, jovens e adultos. O exemplo de OZANAM é magnífico!

                A personalidade forte de OZANAM atraia seus companheiros. Entre os estudantes que se agrupavam ao redor de OZANAM na Conferência de História havia dois: LAMACHE e LALIER, que formavam com ele uma espécie de diretório chamado “comissão de estudos”.

                É conhecida esta passagem da vida de OZANAM. Não obstante, recordemo-la.

                Ao receber o desafio do participante da Conferência de História,  (Broet) OZANAM retirou-se pensativo, refletindo na justeza da crítica que seus adversários lhes haviam lançado. Encontrou no limiar de sua porta, LE TAILLANDIER profundamente afetado, ele também pelo que acabava de ouvir. Que será necessário para fazer para sermos verdadeiramente católicos, perguntava-se?... “Não falemos tanto de caridade... antes, façamos e socorramos os pobres! Na mesma noite, com vergonha de ter compreendido tão tarde a caridade prática, ambos levaram por suas próprias mãos a um pobre de seu conhecimento um pouco de lenha que lhes restava para se aquecerem durante os últimos dias do inverno”. (8). Eis já realizada, antes mesmo de ter sido formulada a ideia mãe de onde iria nascer, algumas semanas mais tarde, a Sociedade de São Vicente de Paulo. Viver a Caridade, sim, e vive-la intensamente, evangelicamente!

        Aqui vemos a justeza do conceito que muito mais tarde seria expendido por DODIN (4). “A Sociedade de São Vicente de Paulo não surgiu do nada, como um cogumelo depois de uma tempestade. Primeiro nasceu de uma experiência religiosa, singularmente contagiante:  a de  FREDERICO OZANAM; segundo, foi progressivamente formulando e esclarecendo sua finalidade; terceiro, diversificou suas formas de ação utilizando métodos e técnicas novas e, especialmente nos países em vias de desenvolvimento, manifestou uma vontade de progresso e crescimento, que provoca a reflexão e até confusão no velho continente europeu”.

         Vale a pena, a meu ver, nos deter um pouco mais nesta informação do Pe. DODIN. Lembremo-nos que aquela primeira visita de OZANAM e LE TAILLANDIER à casa do pobre, se realizou como disse, antes de ser fundada a 1ª. Conferência Vicentina. Foi, sem dúvida, o fruto da experiência religiosa de OZANAM. Ele não foi sozinho, mas reuniu-se a um de seus diletos companheiros. O espírito da futura Sociedade de São Vicente de Paulo achava-se implícito nesse simples ato de atendimento às necessidades de um pobre. O ideal de caridade já se desenvolvia na alma de OZANAM. Foi necessário um estímulo, um desafio para que de imediato pusesse em prática esse mesmo ideal. A situação da Igreja impunha uma atitude decidida dos católicos.

            Naqueles tempos, o ambiente sob certo ponto era mais favorável, pois a Igreja era atacada. Ela era diretamente visada pelos adversários. Combatiam-na de frente. Hoje isso não mais acontece. Não vemos ataques diretos à Igreja. Ela não é ofendida, mas simplesmente desconsiderada. Para muitos, a Igreja não existe. Mas por outro lado ela ainda, como instituição divina que é, constitui para muitos uma dificuldade a ser contornada. Fingem desconhece-la, mas, com ela se preocupam. Parece mesmo, que nunca se falou tanto na Igreja quanto agora! Os grandes jornais, diariamente, trazem algo que com ela se relaciona. Para tornar pouco transparente o ambiente dos dias atuais, vieram as divergências de opiniões e interesses, gerando desconfiança entre os próprios católicos. E a imprensa acolhe com certa astúcia, esse desentendimento entre eles. É dentro dessa atmosfera de tensão que teremos de promover, cada vez mais acentuadamente, o ideal de OZANAM: “Votar nossos dias ao serviço da verdade”.

           Somente a nossa fidelidade a esse ideal é que poderá dar resposta à pergunta do Revdo. Pe. DODIN: “Como explicar esta continuidade de desenvolvimento que se caracteriza por uma surpreendente e inesperada capacidade de adaptação?” Adotamos a própria resposta dada pelo Pe. DODIN: “Este pequeno prodígio de conservação e de desenvolvimento contínuo, só se pode explicar pela presença de uma realidade viva, dotada de um permanente poder de criação. Esta realidade é o que chamamos espírito das Conferências de São Vicente de Paulo”.

                E continua o ilustre Padre da Missão: “Qual é a originalidade deste espírito? De onde vem sua força regeneradora? Todo grupo humano se define exatamente a partir da síntese ou mistura que se obtém entre seus variados elementos constituídos: 

              •    entre seu ideal e sua finalidade concreta;              
              •    sua função e o ritmo de sua atividade;
       •  sua coesão hierárquica e a interdependência entre seus   membros”.

                Realmente, foi esse mesmo ideal que OZANAM cultivou desde os tempos do Liceu. Ideal  desinteressado, que o levava, sem mesmo sentir, a admitir que eram sublimadas em São Vicente de Paulo; foi esse mesmo ideal que o norteou a, juntamente com seus companheiros, que por ele se achavam de há muito influenciados a fundar a Sociedade de São Vicente de Paulo.

       
  HUMILDADE DE OZANAM

          Mas estes primórdios da Sociedade de São Vicente de Paulo oferecem-nos outros pontos importantes para meditação. Na célebre reunião da Conferência de História, foi manifesta a humildade de OZANAM, quando não revidou como era do seu temperamento, o desafio de seu colega de faculdade de nome Broet. 

               Reconheceu que lhe faltavam elementos para uma justificativa plena. Outro ponto, talvez o mais importante: “não falar tanto de caridade... mas vivê-la”. E como soube ele viver a sua caridade! Apenas seguiu a São Vicente de Paulo que nos mostrou, pelas obras, a extensão de sua caridade!. E nós que nos julgamos seguidores de São Vicente de Paulo e de OZANAM, que temos feito, mesmo em nossas Conferências, para viver realmente a caridade? Que temos feito para imitar esse homem, OZANAM, que no dizer do papa Pio XII (10), foi notável por sua doutrina e sua piedade, cuja memória estimula cada vez mais e cada dia mais entre os cristãos, o zelo e a caridade. 


               Queremos ver no nosso socorrido o próprio Cristo, mas fazemos isto lhe dando apenas o suficiente para subsistir e dispensando-lhe alguns momentos de nossa companhia um dia da semana? E nos outros seis dias, que fará o necessitado? Sejamos mais realistas. Julgamos ter cumprido o nosso dever visitando o socorrido, levando-lhe o auxílio material, apenas suficiente para um dia. Nos seis dias restantes da semana... o pobre que se arranje! E como ele se mantém? Ficando na porta das igrejas com a mão estendida para receber alguns centavos, e depois ser caçado pela polícia e ser preso? Ou se disso não for capaz, mandará suas filhas e quem sabe a própria esposa, vender seu corpo? Ou ainda, transformando, ele e os filhos pequenos nos trombadinhas que irão roubar para sobreviver? São questões que OZANAM também deve ter posto aos seus companheiros. Na sua época acho que não havia trombadinha, mas era terrível a exploração dos menores nas fábricas, para apenas citar um exemplo cruel. E como ele lutou, reivindicando a justiça social até que a lei viesse regularizar esse aspecto mórbido da sociedade de então.

                E se julgarmos pelo que se passa hoje em nossas Conferências, se verá com profunda tristeza como OZANAM é desconhecido dos próprios confrades e consocias! Ainda atual é a frase marcante de LEPETIT(5): “Mas, admitamos pois é a pura verdade, entre a geração atual, muitos ignoram OZANAM e, perdoai-me ao dizer aqui, mesmo entre os confrades de vossa Sociedade; ou mesmo, muitos o desconhecem completamente. Uma grande revista parisiense, em 1953, escrevia sobre o assunto: “Não é absolutamente o que tantos entre nós imaginam, um velho professor de porte modesto e burguês, votado às boas obras e autor de livros sábios que não se leem mais(6)”. Isto foi escrito por ocasião das comemorações do centenário da morte de OZANAM. Sejamos honesto: a situação de hoje é diferente? Como vemos, é importante que conheçamos mais OZANAM, que foi “primeiramente o apóstolo, apóstolo da caridade e da justiça social”. Mártir: nas suas cartas vê-se muitas vezes que ele desejava o martírio e, se ele não foi mártir desta justiça social nas barricadas de 1848, foi somente por obediência ao seu Arcebispo que, diante da evidência do perigo imediato e sangrento, teimou em apresentar-se sozinho diante dos que se rebelaram contra o regime. Confessor da fé, ele foi diante de todos, cristãos e incrédulos, ricos e pobres, sábios da Sorbona e deserdados do Quartier Mouffetard. Ele pode ser escolhido como modelo acabado para todos os jovens da atualidade. Mas quando ele entra nos 38 anos de vida, na via do purgatório da moléstia, torna-se o exemplo das almas elevadas que sabem o preço inestimável de todo sofrimento unido ao do Calvário. (JANVIER)(7)

                Não devemos esquecer que “se a obra de caridade que OZANAM fundou com alguns amigos em 1833, no começo alguma coisa de muito humilde, se seu fundador é despojado de toda a ambição pessoal, todavia, mesmo no seu princípio sem brilho, ela nada tem de mirrado, nem de fraco, porque a ideia que OZANAM tem da caridade, não é bem a da caridade comum, no sentido pleno da palavra; a caridade para ele não se reduz à esmola nem mesmo ao que os textos tradicionais designam pelo termo mais geral de misericórdia corporal; a elevação dos espíritos, e ascensão das almas está sempre, mesmo implicitamente, no primeiro plano de suas preocupações, e eis o que explica que, ultrapassando a esfera dos pequenos aos quais ia sua solicitude de visitador dos pobres da Sociedade de São Vicente de Paulo, teve a preocupação da indigência ou dos bens espirituais de muitos de seus contemporâneos para os quais a caridade do apostolado cristão não se podia exercer senão pela via intelectual e era para eles que ele concebeu esta fundação, toda diferente, mas pelo espírito semelhante ao das Conferências da Sociedade de São Vicente de Paulo; as Conferências de Notre Dame, das quais ele não é evidentemente o fundador pois que elas não podiam ser e não o foram efetivamente instituídas senão pela hierarquia da Igreja, mas das quais bem se pode dizer e se deve dizer que ele foi o primeiro chefe iniciador”. ( ZEILLER, J.)(11).
                Por outro lado, se a caridade não foi, jamais, para OZANAM, restrita à esmola material e nem ao socorro à vida corporal, ele não reduziu seu ideal de servidor dos que sofrem com a miséria, com o auxílio, que ele podia com seus amigos, levar-lhes pela sua vontade, mesmo a mais engenhosa, mas que permanecia, pelo tratamento do mal social, no domínio dos paliativos. Foi, no seu tempo, um dos homens, um dos primeiros, talvez o primeiro, que viu e ousou dizer que havia na sociedade civil, tal como era transformada sob a influência do movimento industrial e de causas ligadas à indústria, um mal profundo, que não seria curado pelas manifestações da solicitude, mesmo a mais sincera e a mais testemunhada pelas vítimas deste mal e que necessitaria de remédios maiores (LEPETIT) (8).

                No jornal “Ère Nouvelle” (Nova Era), batalhava por uma ordem social justa. Chamava os cristãos ao que ele denominava de “cruzada da caridade” e ao mesmo tempo animava-os a ter uma concepção mais justa das relações sociais. Como dizia LACORDAIRE, ele e OZANAM saudavam as transformações em vias de se elaborarem com e após a Revolução de 1848, um encaminhamento “para uma melhor distribuição dos elementos sociais, arrancando de uma classe que muito tendia a dominar com exclusividade os interesses, a idéias e os costumes”.

                Tanto assim que 10 anos antes, no seu curso de Direito Comercial professado em Lyon em 1840, OZANAM havia já dito: “A caridade é o samaritano que verte o óleo nas chagas do viajante atacado. Compete à justiça prevenir os ataques”. E ele não hesita em declarar nos artigos na “Ère Nouvelle” que “os cristãos se enganam acreditando-se quites com o próximo quando cuidaram dos indigentes como se não houvesse uma classe imensa de indigentes, mas pobres que não querem esmolas nas instituições”. (ZEILLER, J.) (11)

                O movimento social atraia as idéias de OZANAM. Em seu curso de Lyon havia já preconizado o salário familiar, o seguro contra a invalidez e a aposentadoria para a velhice. Não parece um profeta dos tempos novos e um precursor das Encíclicas de Leão XIII e de um Pio XI?

                Devido às suas idéias avançadas OZANAM sofreu muito. E ao sofrimento do espírito não tardaria a ajuntar-se o sofrimento de um corpo que a moléstia ia logo arruinar, com a tristeza de sentir sua saúde gravemente atingida e finalmente perdida e de dever abandonar progressivamente as atividades que lhe eram mais queridas.

                O terceiro aspecto da grandeza de OZANAM e o terceiro dos testemunhos que ele prestou foram o testemunho votado à verdade por seu ensino e sua obra intelectual, testemunho da caridade por sua vida de devotamente agindo junto ao próximo, como por seus combates pela justiça social e sua cruzada da caridade, testemunho enfim do sofrimento da maturidade. É por aí, talvez, que um cristão pode mostrar-se maior, pois que ele avança por sua vez na vida que o Cristo quis seguir para salvar o mundo. (ZEILLER, J.) (13).

APRENDENDO COM OZANAM

                Quantos ensinamentos a tirar da vida de um homem cuja profissão consistiu, com efeito, em ensinar, mas que ensinou tanto por sua ação como por sua paciência, quando a ação lhe foi impedida ou restrita! Recolhamos, pois, para lição nossa e formação, esse triplo testemunho.

                O testemunho do sofrimento aceito, depois transfigurado, para todos aqueles dentre nós a quem ele pode ser imposto, para uns, somente penoso, para outros, desumano.

                O testemunho da verdade, mesmo sobre o plano da ação caritativa que é o nosso, como confrades e consócias de São Vicente de Paulo, nos impõe um dever de guardar nessa mesma ação uma visão objetiva, de saber reconhecer as práticas que não são corretas, para substituí-las por outras melhores e de qualidade  e, principalmente, ver e dizer, como fez OZANAM, o que, na evolução dos acontecimentos do mundo, é não somente doloroso, mas condenável, como os egoísmos que recuam diante de um sacrifício material que lhes custa muito ou que levam à exploração do próximo, por exemplo, em matéria de habitação,  a excessos que clamam vingança ao céu.

                Admite-se que o testemunho da caridade é hoje de primeira ordem. Certamente, será preciso dizê-lo, que a ação caritativa de um membro da Sociedade de São Vicente de Paulo é infinitamente modesta; mas devemos nos esforças para que ela não o seja demasiado, e por exemplo, não se deveria contentar, nas coletas durante as reuniões das Conferências, de uma oferta irrisória. É também preciso usar  no atendimento ao próximo de um zelo e uma engenhosidade incessantemente alertas, susceptíveis de chegar a alguns resultados positivos.
 
                Mas existe mais e a outra coisa a dizer aqui: o que mais faz falta ao mundo de hoje é um clima de caridade, uma vez que não somente o ódio nele é praticado, mas é, também, pregado; muitos fazem dele uma virtude, o que sem dúvida é suficiente para julgar sua doutrina. Se opusermos o amor ao ódio, ou antes, se, sem proclamar essa oposição, procurarmos, em face do ódio, praticar o amor, espalha-lo pelo exemplo, fazer-lhe sentir o benefício, nós faremos, mesmo nessa esfera muito limitada que é a nossa, pela nossa parte muito pequena, o que é melhor para o mundo presente. (ZEILLER, J.) (14)

                OZANAM era essencialmente, na sua vida profissional, um teórico. Professor de Literatura, habituou-se a pesquisar nos textos originais os elementos essenciais para fundamentar suas aulas magistrais. Mesmo na investigação científica, a que devotou grande parte de sua vida, como seja o estudo de Dante, OZANAM procurou não se afastar da realidade. Assim, ao nosso ver, se poderia explicar a adoção imediata, repentina quase, de concretizar a idéia extraordinária de mostrar aos adversários as realizações da Igreja. Não se tratava, por certo, de apenas atender a um desafio, mas muito mais, foi estabelecer uma ponte entre seu ideal e sua finalidade concreta. Por outro lado, a ocasião era, por demais, propícia para colocar-se inteiramente, ao serviço da humanidade sofredora. Era atender os pobres que se achavam relegado ao abandono.    
                                                                   
                E aqui aparece, ao lado de OZANAM e de seus companheiros a admirável, IRMÃ ROSALIA.

                Foi a conselho de BAILLY que OZANAM procurou esta alma apostólica, que passou a constituir na realidade, a mestre dos noviços dos novos missionários da caridade. De coração largamente aberto a todos os sofrimentos, recebia a todos, principalmente, a estudantes em dificuldades que iam até seu pequeno escritório da rua Monffetard para pedir orientação, recomendação e mesmo auxílios materiais.

                De DESMET (1), seu biógrafo, retiramos as seguintes notas: “OZANAM conhecia o caminho. Ela lhe havia dito um dia, conhecendo as delicadezas de sua bela alma sensível, que o expunham a uma excessiva liberalidade: “Meu filho, o que digo aos seus amigos, não tenho necessidade de dizer a você. Graças a Deus, você compreende o Pobre, como se deve. Mas temo pelos excessos de seu bom coração. Escute esta história: e Irmã ROSALIA lhe contou a história pouco comum de um jovem que tinha, ele também, demasiado bom coração e que na véspera havia dado tudo que possuía. Ora, na mesma manhã, um visitante o havia surpreendido ainda na cama. Era um pobre desgraçado, seminu, maltrapilho, em estado lastimável; não escutando senão seu bom coração deu-lhe a única coisa que lhe restava, seu hábito, que vestiu completamente. SÃO MARTINHO teria feito melhor? Mas, então, ele precisou enviar a Irmã ROSALIA uma mensagem e implorar seu socorro para sair do embaraço. E logo Irmã ROSALIA se pôs, sem demora, a socorrer o infortunado. Mas enviando-lhe um pacote com as roupas, acrescentou este bilhete: “Meu pobre amigo, se um dia você vier a ser bispo, você dará a sua cruz e a sua mitra!”. Realmente, tratava-se de M. DUPUCH que se tornou mais tarde bispo de Alger.

                A lição era para OZANAM e a Irmã ROSALIA disse-lhe isso com um sorriso malicioso. Ela tinha o dom da profecia. O jovem, realmente, tornou-se bispo e conservando em seu episcopado o hábito de dar sem calcular, aconteceu, à força de generosidade, ter de esposar a santa pobreza e dar sua cruz e sua mitra. 

                OZANAM vinha voluntariamente à Epée-de-Bois, ao santuário da caridade. Saindo de casa de BAILLY sob a emoção das últimas discussões da Conferência de História, foi procurar junto da Irmã ROSALIA os conselhos que comportavam as circunstâncias. Veio com LE TAILLANDIER e, então, se decidiu que, para responder ao desafio da Conferência de História, iniciaria qualquer obra, das que dão mais alegria a Nosso Senhor, uma obra de caridade. Levariam os socorros aos pobres; e aos socorros materiais ajuntariam uma simpatia cordial, nas visitas pessoais, amigas e fraternas.

                O caminho entre a Sorbona e a rua da Epée-de-Bois foi mais que nunca conhecido e frequentado. Irmã ROSALIA teve a alegria de ver reunirem-se, as vezes, na sua casa, os primeiros Confrades de São Vicente de Paulo, de
encontrar entre eles um jovem que tinha o nome dos Rendu e de presenciar que o belo fogo da caridade se avivava e se propagava. Os jovens vinham até ela em grupo; vinham, também, individualmente, procurar recomendações e reconforto. Levavam ensinamentos e ordens de serviço e espalhavam-se pelas rua do distrito.

                A experiência de Irmã ROSALIA que conhecia bem sua “Diocese” lhes foi de um preço inestimável. Ela orientou seu apostolado, guiou suas idas e vindas no distrito, deu-lhes endereços, bem escolhidos, famílias necessitadas, o “Banco da Providência” que tinha sua sede na rua da Epée-de-Bois teve, também, de funcionar nestes começos. Ela teve de reforçar generosamente a caixa da Conferência, que simplesmente alimentada pela coleta semanal, não era rica. O “Banco” funcionava, pois, nestes dias.  Onde iam procurar fundos? Não sabiam! Eles vinham de toda a parte. A Providência recrutava de toda a parte os doadores. E a casa da rua Epée-de-Bois exercia esta misteriosa atração que fazia nascer sempre uma heróica caridade ascendente. Os socorros chegavam nos momentos de necessidade. E Irmã ROSALIA dava, e dava sempre sem medida; isto se diluía na mão dos pobres Os Confrades da Conferência se beneficiaram no início de um grande crédito e puderam distribuir no quarteirão, abundantes esmolas.

                Com suas esmolas, era, também, um pouco de sua cultura e de sua distinção que eles davam. A cultura do Quartier Latin, afinada de toda a distinção de belas almas de cristãos, ia para o futuro levar sua beleza ao Quartier Mouffetard, na cara “Diocese” de Irmã ROSALIA. OZANAM leva-lhe sua alma poética e realista ao mesmo tempo, sua fronte majestosa de pensador profundo e de apóstolo, mas, também, seu “sorriso irresistível” de jovem piedoso e em intimidade com Deus. Em compensação, todos estes humildes condutores da Mensagem Cristã fariam, no seio da miséria do pobre povo, a descoberta de uma riqueza de sentimentos que os edificaria e os enriqueceria: espontaneidade, nobreza, grandeza de alma, eles descobriram entre os pobres, toda esta beleza amoral durante suas visitas. Havia então uma troca feliz de bons serviços, em que os Confrades seriam, talvez, os que mais lucravam. A prática da caridade desenvolvia neles o espírito da fé, preservava e elevava suas almas.

                A influência da Irmã ROSALIA foi, não poucas vezes, decisiva sobre o desenvolvimento da nova Sociedade de São Vicente de Paulo. No momento crucial em que se debatia o desdobramento da primeira Conferência, como vimos, preponderou à opinião de OZANAM que assim teve ensejo de manter a unidade entre as Conferências. O debate que foi “rude, obstinado, prolongado, cessou quando o autor da proposta, LE PREVOST, afirmou que a ideia não era dele, mas provinha da Irmã ROSALIA.  O efeito foi fulminante: o nome da Irmã ROSALIA fez cessar todas as oposições. Seu conselho foi adotado”. DESMET(1).
                
               O inestimável auxílio da Irmã ROSALIA não se reduziu aos conselhos e mesmo distribuição de serviços. Havia no seu trabalho verdadeiras lições de apostolado da caridade que foram guias inestimáveis para os novos Confrades que frequentavam o escritório da rua Epée-de Bois. Eis apenas um dos muitos exemplos que colhemos em DESMET²: “Entre seus visitantes distinguiu um que ela conhecia bem e ao qual havia feita uma promessa. No seu escritório encontrava-se um pacote pronto que ela lhe devia enviar; esmola preciosa para um homem honesto, bom burguês, que vivia na miséria. Ergueu a cabeça e fez-lhe sinal: “Senhor, tenho precisamente um pequeno serviço a pedir-lhe”. “É muito urgente; uma encomenda para ser levada a alguém que mora perto de sua casa e que a espera”. “Ei-la e nela encontrará o endereço”. O homem partiu e ficou muito admirado ao ler seu próprio nome no pacote que ele levava. “Era um pobre envergonhado, de que a Irmã ROSALIA, por este meio, havia respeitado o amor próprio”. E acrescenta o referido autor DESMET(³): “A delicadeza da Irmã ROSALIA era uma de suas formas de caridade”. Foi essa a forma que constituiu a formula principal de atividade vicentina e que chegou até nós. 

                Admirável lição, exemplo magnífico da verdadeira caridade evangélica. Nela se revelam as virtudes de VICENTE DE PAULO e de OZANAM: a simplicidade e o verdadeiro amor ao próximo!

                Foi assim que os primeiros confrades aprenderam a viver a caridade.

                Pelo que acabamos de ver, o apostolado da caridade de OZANAM não era restrito aos indigentes. Estendia-se, talvez, aos não indigentes. Com a visita aos primeiros entrava em contato direto com a miséria e procurava conhece-la para melhor combate-la. O resultado era a promoção do socorrido. Mas não é somente isso. Com esta visão concreta das condições miseráveis de grande parte da população de Paris, adquiria elementos preciosos para trabalhar na cátedra, no meio social, na política, em favor de uma justiça social aliada à caridade.

                Completava-se assim o apóstolo. É este exemplo que todos nós vicentinos de hoje deveremos ter sempre presente.

                Cada um, no meio em que viver, deverá procurar manter vivo esse exemplo, agindo de modo a tornar-se verdadeiramente vicentino. Foi o que fez OZANAM. É o que todos nós devemos fazer também.
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Bibliografia:
1.            DESMET, H – 1953 – Soeur Rosalie, 365 pp. Paris, p. 151
2.            DESMET, H -  loc.cit.., p. 185
3.            DESMET, H -  loc. cit.
4.            DODIN, A. – 1978 – Que é uma Conferência? “Voz de Ozanam” 13 (2): 57-59. São Paulo.
5.            LEPETIT, loc. cit. p. 23
6.            LEPETIT, loc. cit. p. 24
7.            LEPETIT, loc. cit. p. 25
8.            OZANAM, A.F. – 1831 – A Hipólito Fortoul e H...em Cartas de Frederico Ozanam, 1º. Vol. (1831 – 1842). Trad. Port.de João Pedreira Duprat, vol. 1: 303 pp. 1ª. Ed. brasileira – 1953, pág. 6.
9.            OZANAM, A.F. – 1831 – A Ernesto Falconnet, em Cartas de Frederico Ozanam, ibidem, pág. 30
10.          PIO XII – 1953 -  Lettre à notre fils Maurice Felton. Em Centenaire de la Mort de Frédéric Ozanam. 172 pp. Ed. Senil. Paris.
11.          ZEILLER, J. 1953 – Lê Temoignage d´Ozanam. Em Centenaire de la Mort de Frédéric Ozanam. Ibidem. Pg. 42.
12.          ZEILLER, J. – Loc. Cit. p. 44.
13.          ZEILLER, J. – Loc. cit.  p. 45
14.          ZEILLER, j. -  Loc. cit.  p. 47
                              
              

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SUGESTÕES PARA DEBATE


II -   APOSTOLADO DA CARIDADE

a.     Espírito comunitário de OZANAM
                1 – No colégio
                2 – Na Universidade

b.     Características de OZANAM
                - simplicidade
                - humildade
                - caridade
                - indigentes
                - não indigentes

c.      OZANAM e a SSVP
                1. Fundação da SSVP
                2. Desdobramento da 1ª. Conferência
                3. Preservação da unidade de SSVP
              
d.      OZANAM E BAILLY
                1.Influência da Irmã ROSALIA
                2. OZANAM e os vicentinos hoje
                3. Como torna-lo conhecido dos próprios Confrades
                4. E, principalmente dos Universitários

                OUTRAS SUGESTÕES

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(* 2ª. Palestra proferida durante as comemorações do 1º. Centenário da Fundação do Conselho Superior do Brasil da SSVP.)




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